segunda-feira, 8 de abril de 2013

Distanciamento


© Márcia Sanchez Luz



(Img: Soyez Mystérieuses - Paul Gauguin)



















Com quantos paus eu faço uma canoa
que ao mar me entregue? Quero só sonhar
na noite que me alenta e a dor escoa
sem que ninguém me apresse o despertar.

Bem sei que a tempestade vai chegar
e medo ou covardia não perdoa.
Porém não posso desejar que o mar
simule a mansidão de uma lagoa.

Existe o risco de não ser possível
voltar à terra firme e aí então
terei até o fim por companheiras

estrelas. Sei que a paz, sempre aprazível,
vou encontrar e, livre de aflição,
a vida será leve e alvissareira.

25 comentários:

  1. Márcia, querida poeta! Eis um soneto pleno de beleza estética e muito bem construído, segundo as regras do soneto clássico. Chamam a minha atenção as rimas ricas que se apresentam meticulosamente ornadas em todo transcorrer da peça poética... É de ressaltar, também, o "enjambement" (ou cavalgamento) que ocorre no primeiro verso do segundo terceto, que, mesmo com a utilização deste recurso, não chega a afetar profundamente a ritmação, nem o "tonus" poético. O único reparo passível de ser feito aos versos é a rarefeita codificação do conteúdo, devido à rala utilização das figuras de linguagem, especialmente a metáfora, e, sem elas, não há a se falar, a rigor estético, em Poesia. Sim, porque há versos com e sem Poesia, em toda peça poética, ainda mais no esforço de criação que o SONETO em si representa; exemplar que, além do primeiro momento criacional da inspiração, exige um segundo, a transpiração, no qual prevalece a intelecção, forte no intuito de construção da peça com silabação fônica e as rimas, sobre as quais já me referi. No entanto, a tentativa de construção da imagética se dá de maneira muito natural e escorreita... Parabéns à autora. Agradeço a remessa da peça a mim, que me enlameio nas veredas da Poética... O poetinha Joaquim Moncks.
    http://www.recantodasletras.com.br/autores/moncks

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    1. "O único reparo passível de ser feito aos versos é a rarefeita codificação do conteúdo, devido à rala utilização das figuras de linguagem, especialmente a metáfora, e, sem elas, não há a se falar, a rigor estético, em Poesia."

      Caro Moncks,
      estranhei bastante este seu comentário porque a cada verso do meu soneto, praticamente, há uma metáfora, veja:


      Com quantos paus eu faço uma canoa
      que ao mar me entregue?


      Este mar é metafórico, o personagem do meu poema não sairá mar adentro.


      Quero só sonhar
      na noite que me alenta e a dor escoa


      A noite não alenta ninguém, nem a dor verdadeiramente escoa. Outra metáfora.


      sem que ninguém me apresse o despertar.


      Bem sei que a tempestade vai chegar
      e medo ou covardia não perdoa.


      Na realidade, nem a tempestade chegará e, mesmo que ela chegasse, tempestade não tem o dom de perdoar. Outra metáfora.


      Porém não posso desejar que o mar
      simule a mansidão de uma lagoa.


      Novamente esta comparação é metafórica, pois o mar aqui expressa os sentimentos íntimos.



      Existe o risco de não ser possível
      voltar à terra firme


      Outra metáfora, já que o personagem nunca viajou ou excursionou por nenhum oceano.


      e aí então
      terei até o fim por companheiras


      estrelas.


      Outra metáfora, porque as estrelas só são companheiras se assim as considerarmos, já que não têm fala verbal ou mímica.

      Sei que a paz, sempre aprazível,
      vou encontrar e, livre de aflição,
      a vida será leve e alvissareira.


      Com seis metáforas em catorze versos, minha pergunta ao criar o soneto residiu justamente no temor do contrário: não teria eu usado tropos demais?...


      "Sim, porque há versos com e sem Poesia, em toda peça poética, ainda mais no esforço de criação que o SONETO em si representa; exemplar que, além do primeiro momento criacional da inspiração, exige um segundo, a transpiração, no qual prevalece a intelecção, forte no intuito de construção da peça com silabação fônica e as rimas, sobre as quais já me referi. No entanto, a tentativa de construção da imagética se dá de maneira muito natural e escorreita... Parabéns à autora. Agradeço a remessa da peça a mim, que me enlameio nas veredas da Poética... O poetinha Joaquim Moncks.
      http://www.recantodasletras.com.br/autores/moncks"



      No mais, obrigada por sua análise teórica retórica, fiquei contente em saber que minha poesia, para você, fluiu escorreitamente e que o enjambement não afetou o material conteudístico do soneto. Utilizo e gosto muito deste recurso poético, talvez por estar muito familiarizada com este tipo de ruptura da unidade sintática através do exercício de minha dupla profissão: a de professora de idiomas e a de tradutora de francês e inglês.

      Grata pelo seu retorno,
      cordialmente,
      Márcia Sanchez Luz

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  2. Excelente soneto, Marcinha! Falar mais seria coisa de puxa-saco. Abraços. Je t'aime!

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  3. Querida Márcia: a sua poesia pede para ser lida em voz alta; isso acontece porque você revela o direito de sonhar e a sua mansidão na escrita. Parabéns por mais um soneto caprichado. Paz e bem, Graúna

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    1. Minha Grauninha querida, tenho muitas saudades de você! Fico feliz demais por sentir assim minha poesia. Obrigada por ter vindo e pelo carinho de suas palavras, como sempre.

      Beijos carinhosos

      Márcia

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  4. Beleza, Márcia! Gostei! É sonoro, bom de dizer, e deslisa da dúvida à esperança.
    Bjs.

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    1. Que bom que gostou, Caio! Obrigada por ter vindo.

      Beijos

      Márcia

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  5. Amei,há muitas expressões superpoéticas que são únicas, só do seu soneto.
    saúde e paz
    Angela Togeiro

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    1. Angela, é um enorme prazer recebê-la neste espaço! Obrigada pelo carinho de suas palavras. Volte sempre!

      Beijos

      Márcia

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  6. Cara Márcia, talvez a poesia esteja além do regramento: como constato na leitura desse seu poema. A continuidade na permanência da ideia com que seu começar evidencia em andamento a sua conclusão. Abraços, Pedro.

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    1. Grata pelo carinho e apuro de sua leitura, Pedro.

      Abraços

      Márcia

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  7. Olá Marcia! Mais um belo poema, soneto. Parabéns.
    Realmente as estrelas são nossa eternas companheiras.
    Um grande abraço e sucesso.
    J.Hilton
    www.josehiltonrosa.recantodasletras.com.br

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    1. É verdade, José Hilton. Basta olhá-las para que chegue o alento...
      Obrigada por sua visita.

      Abraços

      Márcia

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  8. Márcia,

    Estava com saudades de teus sonetos. Em meio ao mar de mediocridades que nos cerca, é muito bom encontrar uma canoa que nos leva para águas mais fartas e abundantes em produção da boa literatura.

    Parabéns!

    Paulo

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    1. E eu com saudades de sua presença no blog, Paulo. Obrigada por ter vindo e pelo gentil comentário.

      Márcia

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  9. Belo soneto com a marca registrada de Márcia Sanchez Luz. Sou seu fã!

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    1. Grata, Tércio. É sempre um prazer receber sua visita a este espaço.

      Márcia

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  10. O mar como fuga definitiva de quê? Talvez do mundo sem lugar pra poesia e sonho, imaginação e entrega. Comentar um poema é quase sempre desrespeitá-lo, mas viajar nele é um convite que você sempre faz, levando o leitor mar a dentro.

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    1. É por aí, Aracéli... Quanto a comentar, você o faz com muito respeito e delicadeza, além da inteligência e sensibilidade sempre tão presentes em suas palavras!
      Obrigada, minha querida, por todo seu carinho.

      Beijos

      Márcia

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  11. Humberto Rodrigues Neto11 de abril de 2013 às 22:43

    Muito bom e expressivo o novo soneto de Márcia Sanchez Luz. Com versos muito bem construídos, ela consegue manter a alta qualidade dos trabalhos que compõe. Parabenizo-a, pois, pela beleza de tudo que
    escreve.
    Humberto Rodrigues Neto

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    1. Obrigada pela gentileza de seu comentário, Humberto.

      Abraços

      Márcia

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  12. Sempre o espetáculo poético de Márcia!

    Fabbio Cortez

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    1. Fico muito feliz com sua presença, Fabbio. Grata pelas palavras, poetamigo.
      Dê um beijo em sua esposa e filhos.

      Márcia

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  13. Sempre nos encanta....
    Beijo Lisette.

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