quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Colheita


© Márcia Sanchez Luz

 
    Divine Geometry - Vladimir Kush
 


Andei por sóis distantes e vazios,
atrás do vento que pudesse ter
a explicação de tanto anoitecer
sem ti para acalmar-me os arrepios.

Vaguei por entre ausências, dias frios,
atrás da brisa morna a percorrer
meu corpo sem teu corpo, sem prazer,
mas nada! Achei somente parcos rios

de prantos que deixei pelo caminho.
E tantas lágrimas me vi bebendo
(como a tentar desafogar a dor)

durante a minha estada sem carinho!
Agora eu sigo em frente e me transcendo
na vida, seja ela como for.


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Depois da chuva...

© Márcia Sanchez Luz


 
(Img: Márcia Sanchez Luz)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
E se eu viver ao teu lado,
espera a noite chegar
e meus sonhos embalar?
Quero meu dia abrandado,

meu sorriso abandonado
nos teus braços a ninar
todo meu corpo a gritar
por um carinho, um agrado
 
que só tu sabes fazer!
Serei plena, inteira tua
como se pudesse a lua

estar sempre a incandescer
e nos abrigar sem fim
neste jardim de jasmins.



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Alzheimer

© Márcia Sanchez Luz

Em memória de minha mãe, Nilze, que ontem fez sua passagem e nos deixa cheios de saudades...






"Não vou sentir saudades.
Vou guardar você no meu coração."

Francisco Sanchez





O olhar distante, a fala deprimida,
uma canção antiga na vitrola,
a busca inútil no vazio da vida
que traz no vento a dor que desconsola.


Chegando a noite veste a camisola
e nutre a espera, como se fingida
fosse em querer lembrar porque se isola
de um mundo onde a memória é já perdida.

De manhã cedo os pássaros deslizam
por sobre seu jardim para avisar
que o dia que chegou é na verdade

um tempo onde a palavra é só saudade
de um astro que não pode mais brilhar.
Recordações agora se anarquizam...

(Do livro "Quero-te ao som do silêncio!")

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Semente inteira de mim

© Márcia Sanchez Luz

 

(Img: Márcia Sanchez Luz)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sou como uma flor que abraça
o vento que sopra do sul...
A luz que paira transporta
ilusões de um bem-fazer sem fim.
 
Semente inteira de mim
a muda prepara, serena
o broto que abarca e completa
na carência em compleição
meu silêncio mais profundo.

Vou como num voo inquieto
meu travesseiro buscar
na sombra que emana presença
de um coração que se vai.

E como a flor, vou partir
e a brisa ao norte volver
levando semente fagueira
do amor que um dia plantei.

 

sábado, 28 de julho de 2012

Do que fiz

© Márcia Sanchez Luz



(Img: Márcia Sanchez Luz)


















Eu fiz de teu sonhar um doce afago
e sempre que me atrevo acho morada
para guardar o afã que, sem pecado,
me assusta e de meu medo faz cilada.

Eu fiz de teu sonhar meu aliado
para entender a dor desarrumada
e sufocar o pranto num bailado
de sóis atrás da lua enamorada.

De ti fiz meu maior e eterno abrigo
(alento que me acaricia o sonho
e mostra o norte quando estou à morte.)

Com teu afago não corro perigo,
pois sei que ao lado teu me recomponho
e vou em frente, cada vez mais forte.


(Do Livro "Porões Duendes") 

domingo, 17 de junho de 2012

ÚLTIMO CAPÍTULO

© Márcia Sanchez Luz


(Img: Death, Inga Nielsen)


                      















A chuva cobriu meus olhos,
mas não é chuva que lava;
é chuva que vem do peito
ferido pela tristeza

de ver um ser tão amado
se definhar dia a dia.
Não há remédio que cure
o corpo cansado e fraco.

Ninguém fica pra semente,
eu sei, mas dói constatar
que somos assim tão frágeis,

prisioneiros de nós mesmos,
da carne que nos embala
o espírito atemporal.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Aqui onde moro...


© Márcia Sanchez Luz


(Img: Márcia Sanchez Luz)



















Aqui onde moro
quero-queros logo gritam
se alguém se aproxima.
A coruja à tarde observa
pra de noite começar.

Tartarugas no verão
primavera por que não?
Correm lépidas pra chuva
atrás de água pra beber
cantinho pra namorar.

Beija-flores nas grevilhas
russélias brancas, vermelhas
aguardam carinhos e beijos
enquanto ixoras sorriem
esperando sua vez.

Jasmins de todas as cores
com suas formas variadas
exalando olores diversos
perfumam o ar, dançam ao vento
trazem paz, doces alentos.

Jerivás e guarirobas
reais e imperiais
arecas e washingtônias
palmeiras aqui não faltam
pra brindar as helicônias.

Aqui onde moro me integro
entrego-me às plantas e aos bichos.
Mensageiros do vento tilintam
alertam pra chuva que vem
e pra que vai embora também.

Os bichos que aqui trafegam
não precisam de controle
seja em terra ou no ar...
Não se agridem como os homens
vivem em total sintonia.




*Do Livro "No Verde dos Teus Olhos" - Editora Protexto, PR - 2007

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Delitos de amar

© Márcia Sanchez Luz

(Img: Don Juan, The Nude - Salvador Dalí)

Se dizes que me amas, acredito,
mas em seguida sinto que este amor
é idêntico na forma ao anterior:
idealizado, mais parece um mito.

Eu vejo que no amor tu és perito
assim como o poeta é fingidor:
inventas e acreditas num fervor
e dele fazes teu maior delito.

Não sei se vale a pena prosseguir
te amando como se verdade fosse
o que sentes por mim. Melhor partir,

fingir que os dois fingimos sentimentos,
que por palavras nós nos abraçamos
como se amantes fôssemos, invento.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Segredos de beija-flor

© Márcia Sanchez Luz

Para Aracéli Martins, em seu aniversário


(Img: Márcia Sanchez Luz)


















Um beija-flor pousou em meus cabelos
e me contou segredos de outras terras.
Falou dos mares, rios e das serras,
dos seres mágicos, frugais modelos

do que é ser puro, do que é ter desvelo
pelo universo, pela biosfera.
Em nosso orbe a vida já se ulcera
e dele conhecemos o novelo,

o trágico final que se apresenta
e delineia a era que virá.
A natureza avisa mas se isenta

se não olharmos todos seus sinais!
Um beija-flor pousou em meus cabelos
e me cobriu de beijos musicais...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Contradança


© Márcia Sanchez Luz




(Img: Dançarina, de Zhaoming Wu)


Sou feito a bailarina que descansa,
entregue após a valsa que entristece
e que a faz, sorrateira em esperanças,
refrear o desejo que emudece.

Tão pouco sei de mim e de você!
(Do riso pulsa a veia latejante)
O espelho em que me vejo é tão clichê!
Reflete até o espaço itinerante!

Assim, quando acordar da contradança,
aguardarei o olhar que me envaidece
e que me faz corar e me enternece.

E entardecendo a dor que não fenece
meus olhos, de cansaço, vão se unir.
À espera, movimento não padece.


(Do livro "Porões Duendes")

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Canção noturna


© Márcia Sanchez Luz



(Img: Moça dormindo, de João Werner)


Não quero mais que digas ter amor
por mim, quando bem sei que só me queres
para enfeitar teu corpo com prazeres
que ao fim me causam sofrimento e dor.

Não quero estar contigo e meu frescor
te dar inteiro. Eu sinto que me feres
porque desejas mais de mil mulheres
por garantia, para o teu louvor.

Esquece o que vivemos, eu te peço!
Foi tudo uma ilusão desenfreada
que agora finda e a paz é o meu ingresso

à vida que me espera mais ousada.
Isto é o que pagas pelo desapreço,
por me fazer chorar de madrugada.